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OUTRAS  EXPEDIÇÕES

Este trabalho problematiza a relação imagem/cidade, através de um discurso visual crítico e iconoclasta da paisagem habitada de Salvador/BA, evidenciando sua fragmentação e seus contrastes estruturais.

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        Eu li n’algum lugar que os olhos têm fome - ou antes seria sede? A imagem é a água da visão. Do tato ao pensamento. Já chamaram essa fome-sede de voracidade2. Fotografar a cidade parece fazer correr o rio que sacia os olhos, às vezes quase à indigestão. Famigerado olhar: o que tanto se quer ver? O que pouco se quer mostrar? Ou vice-versa.


Cabe um naco generoso de desaprendizagem
do imperialismo num obturador destroçado
Num obturador reformado
Um obturador quase obliterado


          Acontece que ver não basta. Tem que pegar o que sobra, das lentes e do ferro velho, e dobrar a realidade, esse metal quase pesado, com a mão da visão. Inscrever num resto de cidade a imagem - imagem que ela própria, meta-cidade, já deu. Ao verter a imagem sobre a cidade, o que restou dela, um artista enverga as casas sob o peso quase pluma da tinta. Reverbera o som da artesania que super-vive nas franjas da Conceição. Naquela ladeira os artífices são muitos, desde antes dos
panoramas de Mulock. Você escuta os ferros?


          Repare: também dá pra ouvir as frequências de um brado heróico que permanece malogrando a superfície áspera, suja de imagem. São as vozes do capitaloceno. Isso que você vê e quer tocar – veja, mas não toque! –, essa sobra de cidade, artefato-imagem, é desvio tanto quanto é reinserção, quase resplandecente, na roda do capital. A gente fica com as migalhas.


          Aproxime, chegue mais perto. É preciso beber com os olhos. Só estamos te confundindo pra te faze r ver.

        Durante mais de 6 anos, Paulo Coqueiro tem feito incursões por esta Cidade da Bahia, coletando imagens e metais. Com as fotografias ele produz as colagens - que remetem ora mais, ora menos diretamente a uma determinada tradição pictórica de Salvador. Em diferentes ferros-velhos, do Uruguai ao Acesso Norte, passando pelo Largo do Tanque e pelo Retiro, Paulo escolheu as placas: aço carbono, ferro, ferro xadrez, aço inox, aço carbono galvanizado, cobre, latão. Ele trata cada material (limpa, lixa, estabiliza), dimensiona as colagens e as imprime nas placas em UV. Mas, pense!, nada está congelado: os metais continuam sua vida, e corrompem sorrateiros a perenidade de qualquer imagem.

Junia Mortimer

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